“O sensor possui uma altíssima precisão, capaz de perceber o pulso da PIC que possui amplitude média de 5 micrômetros – dez vezes menos do que a espessura média de um fio de cabelo – e a sensibilidade máxima de 4 nanômetros, duas vezes maior do que o diâmetro do DNA.”
Um artigo publicado pelo IEEE Sensors Journal, o mais importante periódico internacional especializado em questões teóricas, de desenvolvimento e de aplicação de sensores, apresentou a caracterização de um sensor vestível não invasivo e sem fio para o monitoramento de variações na pressão intracraniana.
Desenvolvido pela brain4care, empresa brasileira que surgiu em São Carlos (SP), o sensor consiste de um transdutor de deslocamento que identifica pequenas deformações no crânio como parâmetro para detectar alterações no volume e na pressão intracranianos.
A leitura produzida pelo sensor é um sinal gráfico que apresenta a morfologia do pulso da pressão intracraniana (PIC), que consiste de três picos: P1, resultante da sístole cardíaca, P3, resultante da diástole, e P2, resultante de uma reverberação de P1. A razão entre as amplitudes de P2 e P1 já vem sendo usada clinicamente e avaliada em diversas pesquisas no Brasil e no exterior.
A tecnologia de monitoramento da PIC
Conforme verificado em outros estudos da área, a expansão do crânio reflete a atividade do coração, que bombeia sangue para o cérebro por meio das artérias. Em resposta aos batimentos cardíacos, os vasos sanguíneos intracranianos aumentam em diâmetro e causam variações no volume e na pressão do crânio, por sua vez refletidas em pequenas deformações no crânio.
O sensor descrito no artigo possui um pequeno pino que se desloca em resposta a essas deformações e move uma pequena viga cantilever, a qual concentra esforços mecânicos e comprimem medidores de deformação, convertendo o sinal mecânico em um sinal elétrico.
Esse sinal de monitoramento é transmitido continuamente para um aplicativo para sistema Android, conectado a um software analítico baseado em nuvem. As operações desse software incluem análise de dados, eliminação de tendências, validação de sinal, filtragem de sinal, verificação de inversão, identificação de pulso da PIC, remoção de artefatos, alinhamento de pulso, média de pulso e cálculo de parâmetro de pulso.
O algoritmo gera então um relatório que inclui a imagem da forma do pulso da PIC e parâmetros associados minuto a minuto (batimento cardíaco, tempo para o pico, variações na razão P2/P1 ao longo do tempo, variações na forma do pulso da PIC ao longo do tempo, morfologia média do pulso por minuto, com a razão P2/P1 correspondente). Essa imagem também pode ser visualizada diretamente na tela de um monitor multiparâmetro de pacientes por meio de um receptor sem fio. O aplicativo móvel exibe também a forma do pulso da PIC em tempo real e uma versão preliminar do relatório.
A cada batida do coração, o pulso percebido pelo pino possui uma amplitude média de 5 micrômetros – dez vezes menos do que a espessura média de um fio de cabelo – e sensibilidade máxima (menor deslocamento percebido pelo sensor) de 4 nanômetros – duas vezes maior do que o diâmetro do DNA. O sensor responde dinamicamente a sinais de pulso entre 50 e 180 bpm (batimentos por minuto) sem distorção significativa, tendo capacidade para realizar uma monitorização estável e de alta sensibilidade.
Monitoramento da PIC – riscos e desafios a serem superados
Atualmente, o padrão ouro de mensuração da PIC requer a perfuração do crânio por meio do procedimento cirúrgico conhecido como trepanação, assim como a inserção de transdutores de pressão por meio de cateteres nos espaços ventricular, parenquimal ou subdural, o que restringe a realização do monitoramento a situações de internação em instituições hospitalares e para pacientes em condições críticas.
O desenvolvimento do método não invasivo não substitui completamente métodos invasivos, uma vez que o padrão ouro apresenta valores absolutos da PIC em milímetros de mercúrio (mmHg) e a capacidade terapêutica no caso dos sensores intraventriculares, enquanto o sensor vestível apresenta valores relativos, a partir da forma do pulso da PIC.
Contudo, os resultados apresentados pelo método inovador podem tornar mais viável o monitoramento, possibilitando alcançar um número maior de pessoas, em estágios menos graves de comprometimento do equilíbrio entre os componentes do crânio.
As tendências na área clínica quando o assunto é monitorização intracraniana
“Os médicos têm deixado de olhar somente para o número absoluto da pressão intracraniana e passaram a olhar também a morfologia do pulso porque nela você tem outras informações que são complementares e até, muitas vezes, mais relevantes do que o próprio valor absoluto”, afirma Rodrigo Andrade, líder da equipe que produziu o artigo, cofundador e diretor de desenvolvimento de produto da brain4care.
“Em um dos nossos primeiros estudos com o protótipo do sensor, realizado no Hospital São João da Universidade do Porto (Portugal), em 2013, já foi possível verificar isso. Nossa primeira paciente utilizava um sensor invasivo e a pressão dela estava com valores normais. Porém, percebemos que antes de o corpo chegar aos valores considerados patológicos, acima de 22 mmHg, a morfologia do pulso já demonstrava indícios de que ela estava caminhando para a perda de complacência intracraniana”, complementa.
O artigo “A nanometer resolution wearable wireless medical device for non invasive intracranial pressure monitoring”, que apresenta a caracterização técnica do sensor, foi publicado como pré-print pelo periódico IEEE Sensors Journal, e pode ser acessado por meio do DOI: 10.1109/JSEN.2021.3090648.